Ana Maria Cavalcanti
Outro dia fui almoçar com um casal amigo, Fabiana e Danilo. Fabiana e eu estudamos juntas no curso de Letras. Danilo é médico. Estão casados há quase trinta anos. Como não nos encontrávamos desde antes da pandemia, ficamos conversando de meio-dia até quase sete da noite. Uma tarde muito agradável.
O que mais me impressionou foi a espontaneidade com que Danilo falou sobre sua vida profissional. As agruras de um médico anestesista. Cheguei à conclusão de que é como um baixista de uma banda. Cumpre o seu papel de forma discreta, para que a estrela possa brilhar, neste caso, o cirurgião.
A maioria de nós não percebe sua relevância. Falo por mim mesma. Ao marcar um exame de endoscopia e colonoscopia, a secretária me perguntou: O pedido médico menciona a anestesia? Como não mencionava, tive de solicitar à médica que especificasse o pedido.
Penso na sua responsabilidade no centro cirúrgico. A consulta preliminar com o paciente. Verificar se existe alguma alergia. Dosar o anestésico para sedação. Injetar a medicação na corrente sanguínea. Danilo contou um caso recente: nos preparativos de uma cirurgia, ao pegar o frasco, percebeu que o líquido tinha uma coloração diferente da usual. Era clorexidina, um antisséptico, embora o rótulo afirmasse ser um anestésico. Felizmente, encontrou outro frasco com o conteúdo correto, o que permitiu prosseguir com a cirurgia.
Por causa de situações como esta, fizera uma segunda graduação em Direito. O olhar jurídico lhe permitiu orientar outros colegas médicos sobre como agir, tanto no consultório, quanto no centro cirúrgico. E ensinar seus alunos na universidade a dialogar com o paciente, ouvir sua história, avaliar os exames, conquistar sua confiança.
Mas Danilo não está sozinho. Fabiana é seu baluarte. Com seu temperamento sanguíneo, não hesita em trazê-lo de volta à realidade. Ele, um melancólico que gosta de viver em seu mundo interior. Quantas vezes o alertou: Não viva somente para o trabalho. Graças a ela, sempre está presente na vida dos filhos, aconselhando-os e apoiando-os em seus projetos.
Para mim, o mais curioso foi descobrir que Danilo fez o vestibular para medicina como um passatempo. Aos dezenove anos, seu sonho era o de estudar agronomia. Estava em viagem de férias com os primos quando o pai telefonou, eufórico, com o resultado. Ele, do outro lado, não sabia o que dizer. Estava anestesiado.